Os Elementos de Terras Raras (ETRs) representam um conjunto de 17 metais estratégicos que sustentam a infraestrutura da tecnologia moderna, sendo insumos irrefutáveis para a Quarta Revolução Industrial.[1, 2] Sua relevância transcende a simples mineração, pois são essenciais para a fabricação de componentes de alto desempenho utilizados em setores de alta tecnologia, defesa e, crucialmente, na transição energética global.
A demanda por ETRs está intrinsecamente ligada aos imperativos climáticos e de mobilidade. A expansão das fontes de energia limpa, como a energia eólica, e a eletrificação do transporte, impulsionada pelos veículos elétricos (VEs), dependem diretamente das propriedades magnéticas e ópticas únicas desses elementos.[3] Essa dependência estrutural eleva os ETRs de commodities minerais a ativos geopolíticos críticos, cuja segurança de suprimento se tornou prioridade nas agendas de segurança nacional de economias avançadas.
Embora o nome "Terras Raras" sugira escassez, esses elementos são relativamente abundantes na crosta terrestre.[1] A verdadeira criticidade estratégica, no entanto, não reside na dificuldade de extração mineral, mas sim na extrema concentração global da **capacidade de processamento e refino** químico. A China detém um domínio avassalador não apenas na produção primária (minas), mas, de forma mais significativa, nas etapas intermediárias de agregação de valor, controlando mais de 85% do refino e mais de 90% da fabricação de ímãs de ETR.[4] Este gargalo tecnológico e industrial confere controle estratégico sobre a cadeia de suprimentos, limitando a capacidade política e econômica de outras regiões do mundo, conforme observado por analistas.[5]
O grupo dos Elementos de Terras Raras (ETRs) é composto por 17 metais de ocorrência natural: o Escândio (Sc), o Ítrio (Y) e os 15 elementos da série dos Lantanídeos.[1] A classificação desses elementos é fundamental para entender seu valor de mercado e sua criticidade de suprimento, sendo divididos em Elementos de Terras Raras Leves (LREE) e Elementos de Terras Raras Pesados (HREE).[6]
Os **ETR Leves (LREE)** compreendem o Lantânio (La) até o Samário (Sm), abrangendo os números atômicos 57 a 62. Estes elementos tendem a ser mais abundantes e, geralmente, mais fáceis de extrair e separar. Em contraste, os **ETR Pesados (HREE)**, que vão do Európio (Eu) ao Lutécio (Lu) (números atômicos 63 a 71), são mais escassos, mais difíceis de separar e, consequentemente, economicamente mais valiosos e cruciais para aplicações de alto desempenho que exigem resistência e estabilidade em condições extremas.[6]
Os ETRs não são encontrados na natureza em estado puro, mas sim dispersos em diversos minerais hospedeiros. Os principais minérios de onde são extraídos incluem a Bastnaesita, a Monazita, o Xenotime e a Parisita.[7] A Bastnaesita e a Monazita, por exemplo, podem apresentar percentuais teóricos de ETR de 74.81% e 69.73%, respectivamente.[7]
A complexidade do processamento está intimamente ligada à composição química desses minérios. A Monazita (um fosfato) frequentemente co-existe com elementos radioativos, notavelmente Tório (Th) e Urânio (U). Essa associação com a radioatividade impõe rigorosos desafios regulatórios, ambientais e de gerenciamento de rejeitos radioativos de longo prazo para as operações de mineração e, principalmente, de refino.[3]
Alguns depósitos minerais no Brasil, como os encontrados em Catalão, Goiás, apresentam características que mitigam o desafio radioativo. O mineral que contém as terras raras nesses locais é um fosfato que se distingue da monazita por ser solúvel em ácidos sob condições normais de temperatura e pressão, e por conter teores de Urânio e Tório "baixíssimos".[8]
Além disso, os depósitos de argila iônica, que estão sendo explorados no Brasil, oferecem uma vantagem adicional: eles geralmente produzem uma proporção maior de ETR Pesados (HREE) e críticos, e os concentrados obtidos são significativamente mais simples de processar em comparação com os depósitos primários em rocha.[3] Essa característica geológica reduz os custos de capital intensivo exigidos pela infraestrutura de processamento complexa e minimiza os riscos ambientais e regulatórios associados ao manejo de rejeitos radioativos. Essa simplificação do processamento pode, em teoria, tornar os projetos brasileiros mais competitivos globalmente e facilitar o licenciamento ambiental.[9]
O principal motor da demanda por ETRs, e o ponto focal da disputa geopolítica, são os ímãs permanentes de alto desempenho, conhecidos como superímãs. Esses ímãs são indispensáveis para a eficiência e miniaturização de inúmeros dispositivos tecnológicos.
O Neodímio (Nd) é o elemento primário que confere aos ímãs sua potência magnética excepcional. No entanto, em ambientes de alta temperatura, como os encontrados em motores de veículos elétricos ou geradores de turbinas eólicas, a estabilidade magnética depende da adição de um ETR Pesado, o Disprósio (Dy).[10, 11] A necessidade de ímãs mais resistentes ao calor e leves impulsiona a demanda por Dy, que é um dos ETRs mais críticos e de fornecimento restrito. Esses superímãs são essenciais não apenas para a infraestrutura de energia verde (turbinas eólicas e VEs), mas também para equipamentos estratégicos nos setores aeroespacial e de defesa.[2, 12, 13]
O Brasil reconhece essa criticidade e tem investido em pesquisa para dominar todo o ciclo produtivo. Um exemplo é o esforço conjunto para desenvolver o equipamento para a produção de neodímio metálico em escala-piloto, com capacidade de produzir até 1 kg de material por hora, partindo de 1,5 kg do óxido de neodímio.[11]
Além dos superímãs, os ETRs possuem aplicações vitais em uma vasta gama de tecnologias de consumo e industriais:
O mercado global de Terras Raras é definido pela dominância abrangente da República Popular da China, que controla a maior parte da cadeia produtiva, desde a mineração até a fabricação do produto final.
Em termos de produção de óxidos de terras raras (OTR), a China liderou com cerca de 69% da produção global em 2024, totalizando aproximadamente 270 quilotons (kt). Os Estados Unidos (45 kt, 12%) e Mianmar (31 kt, 7.9%) são os segundos e terceiros maiores produtores, respectivamente, mas sua escala é insuficiente para desafiar o controle chinês.[4]
O ponto de estrangulamento (choke point) da cadeia, e a fonte do verdadeiro poder geopolítico, reside nas etapas de processamento. A China refina mais de 85% dos ETRs do mundo e detém mais de 90% da capacidade global de fabricação dos superímãs de ETR.[4] Essa concentração industrial significa que, mesmo que outros países, como o Brasil, aumentem sua capacidade de extração primária, o minério ainda precisará ser enviado para processamento em regiões dominadas por um único ator. Essa dependência limita a soberania tecnológica e restringe a capacidade de nações como a União Europeia de exercer sua voz em outras matérias internacionais.[5]
Fonte: Dados globais de produção e refino (2024).[4]
Em resposta à fragilidade estrutural da cadeia, existe uma intensa corrida global por diversificação de suprimentos. Essa busca é central para a Política de Minerais Críticos dos Estados Unidos e da União Europeia. O interesse americano na aceleração da exploração de terras raras no Brasil é notável, com reuniões de alto nível confirmadas para discutir a questão.[16]
Essa pressão internacional posiciona o Brasil em um momento geopolítico crucial. A nação tem a oportunidade de se tornar um pivô central para a diversificação de suprimentos ocidentais. No entanto, essa oportunidade será aproveitada apenas se o país demonstrar capacidade não só de extrair, mas de refinar e agregar valor ao seu minério, transformando o potencial geológico em um suprimento confiável e processado.
O Brasil é um detentor significativo de recursos de Terras Raras. O país possui uma das maiores reservas do planeta [9, 14] e é consistentemente classificado como o **segundo maior detentor de reservas de terras raras no mundo**.[4] Além das reservas comprovadas, o potencial real é provavelmente muito maior do que os números atuais indicam, especialmente em áreas como a Amazônia, que ainda carecem de conhecimento geológico aprofundado.[12]
Apesar desse potencial, o Brasil já vivenciou um ciclo de ascensão e declínio. Foi um grande produtor e exportador de terras raras nas décadas de 1950 e 1960. No entanto, o país perdeu seu protagonismo global, um fator atribuído primariamente à falta de investimentos sustentados na industrialização e na capacidade de processamento intermediário.[9]
Atualmente, projetos focados em ETRs no Brasil são de grande interesse global. O projeto Serra Verde, localizado em Minaçu (GO), exemplifica um enfoque estratégico em depósitos de argila iônica.[3] Tais depósitos são valiosos porque tendem a produzir uma proporção superior de Elementos de Terras Raras Pesados (HREE), que são os mais críticos e difíceis de obter. A simplicidade comparativa no processamento dos concentrados dessas argilas, em contraste com a infraestrutura complexa exigida por depósitos primários em rocha, torna-os economicamente atrativos.[3]
No entanto, o sucesso comercial depende de mais do que apenas a geologia favorável. A experiência de outras empresas, como a CBMM, que concluiu a não-viabilidade comercial de sua operação de ETRs na mina de Araxá, demonstra que o potencial geológico deve ser casado com a tecnologia de processamento economicamente viável e com um ambiente regulatório favorável para que o projeto atinja o sucesso.[11]
| Fator | Status Atual do Brasil | Desafio Geopolítico/Econômico |
|---|---|---|
| Reservas | 2º maior volume global | Converter potencial geológico em produção comercial rápida |
| Extração | Baixa, com foco em perfis de menor risco (Argilas iônicas) | Aceleração do licenciamento e gestão ambiental |
| Refino/Separação | Capacidade Mínima/Ausente | O elo mais fraco; a causa da perda do protagonismo histórico |
| Demanda Interna | Crescente (VEs, Eólica) | Vulnerabilidade a importações de ímãs de alto desempenho |
O Brasil enfrenta seu maior obstáculo na verticalização da cadeia de valor. O país não domina as etapas intermediárias cruciais, que incluem a separação dos diversos elementos ETRs (refino) e a subsequente fabricação dos superímãs.[12]
Apesar de possuir vastas reservas de minério, o Brasil atua como importador dos produtos finais de alto valor, como os superímãs essenciais para geradores eólicos e motores elétricos, dependendo da cadeia industrial externa para suprir sua própria demanda.[11, 12] Essa vulnerabilidade expõe a economia nacional aos riscos de restrição de suprimento e volatilidade de preços controlada por atores externos. A superação desse déficit tecnológico exige investimentos maciços em pesquisa em refino e desenvolvimento de infraestrutura de industrialização.[9]
Um obstáculo que compromete a credibilidade do Brasil como alternativa confiável de suprimento é a morosidade do processo regulatório e de licenciamento ambiental.[9] Embora o rigor ambiental seja necessário, especialistas destacam que o tempo excessivo de tramitação inviabiliza investimentos de alto risco, podendo levar "vários anos" para que projetos de mineração obtenham licenças em múltiplas esferas governamentais (federal, estadual, municipal).[9]
A criação da Política Pró-Minerais Estratégicos (PNMCE) em 2021 [17] tinha como objetivo acelerar a análise de projetos estratégicos. Contudo, a falta de coordenação interinstitucional e a persistente morosidade dos processos desestimularam investidores.[9] A lentidão burocrática se manifesta como um risco de investimento maior do que a própria geologia, minando a urgência estratégica que o mercado global exige para a diversificação de minerais críticos.
A complexidade da mineração de ETRs inclui a gestão de impactos ambientais. O processamento de depósitos primários em rocha, que pode envolver a geração de rejeitos radioativos, requer um gerenciamento ambiental de longo prazo e um aumento nos custos operacionais.[2, 3]
Para atender às crescentes exigências globais de sustentabilidade, o Brasil deve explorar soluções circulares e inovadoras. A "mineração urbana," que foca na reciclagem de ETRs de equipamentos eletrônicos descartados, é um caminho promissor para reduzir os impactos da mineração primária e aumentar a sustentabilidade da cadeia de suprimentos.[18] Tecnologias de recuperação, como o desenvolvimento de algas para separar e concentrar elementos críticos, também surgem como alternativas viáveis para a sustentabilidade ambiental.[5]
A posse de grandes reservas não se traduz automaticamente em poder geopolítico. Para converter seu potencial em influência e segurança de suprimentos, o Brasil deve adotar uma abordagem coordenada de verticalização industrial e reforma regulatória.
O foco principal deve ser no domínio das etapas de alto risco e alta agregação de valor.
A credibilidade do Brasil como parceiro global depende da eficiência de sua estrutura regulatória.
| Desafio Estratégico | Recomendação de Política Pública | Impacto Esperado |
|---|---|---|
| Domínio de Refino | P&D em Processamento Químico e Construção de Plantas Piloto/Industriais | Redução da dependência e agregação de valor imediata ao minério |
| Risco de Investimento | Incentivos Fiscais e Linhas de Crédito para Industrialização | Atração de capital privado e domínio da tecnologia de superímãs |
| Morosidade do Licenciamento | Fortalecimento da Estrutura de Coordenação Regulatória (PNMCE) | Aumento da credibilidade e posicionamento como fornecedor confiável |
| Sustentabilidade | Fomento à Mineração Urbana e Tecnologias de Recuperação | Alinhamento com as normas globais ESG e redução dos custos de manejo de rejeitos |
A análise demonstra que o Brasil detém uma oportunidade histórica inigualável no panorama global dos Elementos de Terras Raras, ancorada em ser o segundo maior detentor de reservas do planeta. Contudo, essa riqueza geológica permanece em grande parte aprisionada, pois o país ainda não conseguiu superar os gargalos estruturais que o confinam ao papel de fornecedor potencial de matéria-prima bruta.
A transformação do potencial em poder geopolítico exige que o Brasil adote uma política de Estado focada em dois eixos: primeiro, dominar as etapas intermediárias de refino e separação, que hoje são controladas por mais de 85% pela China; e segundo, reformar o ambiente regulatório para garantir a agilidade do licenciamento de projetos estratégicos, tornando o país uma jurisdição atraente e confiável para o capital internacional em busca de alternativas à cadeia asiática. Ao verticalizar a cadeia de valor, avançando no mínimo até a produção de óxidos separados e, idealmente, até a fabricação de superímãs, o Brasil poderá não apenas atender sua crescente demanda interna, mas também se consolidar como um ator indispensável na segurança mineral e na transição tecnológica global. A falha em agir de forma coordenada e estratégica resultará na perda dessa janela de oportunidade histórica, mantendo o país vulnerável e dependente da tecnologia estrangeira.