Relatório Expert: Terras Raras — A Riqueza Estratégica do Brasil

Relatório Expert: Terras Raras — A Riqueza Estratégica e o Posicionamento Geopolítico do Brasil

I. Introdução Estratégica: A Criticidade dos Elementos e a Nova Geopolítica de Recursos

I.A. A Relevância dos Elementos de Terras Raras (ETRs)

Os Elementos de Terras Raras (ETRs) representam um conjunto de 17 metais estratégicos que sustentam a infraestrutura da tecnologia moderna, sendo insumos irrefutáveis para a Quarta Revolução Industrial.[1, 2] Sua relevância transcende a simples mineração, pois são essenciais para a fabricação de componentes de alto desempenho utilizados em setores de alta tecnologia, defesa e, crucialmente, na transição energética global.

A demanda por ETRs está intrinsecamente ligada aos imperativos climáticos e de mobilidade. A expansão das fontes de energia limpa, como a energia eólica, e a eletrificação do transporte, impulsionada pelos veículos elétricos (VEs), dependem diretamente das propriedades magnéticas e ópticas únicas desses elementos.[3] Essa dependência estrutural eleva os ETRs de commodities minerais a ativos geopolíticos críticos, cuja segurança de suprimento se tornou prioridade nas agendas de segurança nacional de economias avançadas.

A Criticidade Estratégica: Da Abundância Geológica à Concentração Industrial

Embora o nome "Terras Raras" sugira escassez, esses elementos são relativamente abundantes na crosta terrestre.[1] A verdadeira criticidade estratégica, no entanto, não reside na dificuldade de extração mineral, mas sim na extrema concentração global da **capacidade de processamento e refino** químico. A China detém um domínio avassalador não apenas na produção primária (minas), mas, de forma mais significativa, nas etapas intermediárias de agregação de valor, controlando mais de 85% do refino e mais de 90% da fabricação de ímãs de ETR.[4] Este gargalo tecnológico e industrial confere controle estratégico sobre a cadeia de suprimentos, limitando a capacidade política e econômica de outras regiões do mundo, conforme observado por analistas.[5]

II. Fundamentos Científicos e Mineralógicos dos ETRs

II.A. A Identidade dos 17 Elementos e a Classificação Crítica

O grupo dos Elementos de Terras Raras (ETRs) é composto por 17 metais de ocorrência natural: o Escândio (Sc), o Ítrio (Y) e os 15 elementos da série dos Lantanídeos.[1] A classificação desses elementos é fundamental para entender seu valor de mercado e sua criticidade de suprimento, sendo divididos em Elementos de Terras Raras Leves (LREE) e Elementos de Terras Raras Pesados (HREE).[6]

Os **ETR Leves (LREE)** compreendem o Lantânio (La) até o Samário (Sm), abrangendo os números atômicos 57 a 62. Estes elementos tendem a ser mais abundantes e, geralmente, mais fáceis de extrair e separar. Em contraste, os **ETR Pesados (HREE)**, que vão do Európio (Eu) ao Lutécio (Lu) (números atômicos 63 a 71), são mais escassos, mais difíceis de separar e, consequentemente, economicamente mais valiosos e cruciais para aplicações de alto desempenho que exigem resistência e estabilidade em condições extremas.[6]

II.B. Minerais Hospedeiros e o Desafio Radiológico Associado

Os ETRs não são encontrados na natureza em estado puro, mas sim dispersos em diversos minerais hospedeiros. Os principais minérios de onde são extraídos incluem a Bastnaesita, a Monazita, o Xenotime e a Parisita.[7] A Bastnaesita e a Monazita, por exemplo, podem apresentar percentuais teóricos de ETR de 74.81% e 69.73%, respectivamente.[7]

A complexidade do processamento está intimamente ligada à composição química desses minérios. A Monazita (um fosfato) frequentemente co-existe com elementos radioativos, notavelmente Tório (Th) e Urânio (U). Essa associação com a radioatividade impõe rigorosos desafios regulatórios, ambientais e de gerenciamento de rejeitos radioativos de longo prazo para as operações de mineração e, principalmente, de refino.[3]

A Vantagem Geológica de Certos Depósitos Brasileiros

Alguns depósitos minerais no Brasil, como os encontrados em Catalão, Goiás, apresentam características que mitigam o desafio radioativo. O mineral que contém as terras raras nesses locais é um fosfato que se distingue da monazita por ser solúvel em ácidos sob condições normais de temperatura e pressão, e por conter teores de Urânio e Tório "baixíssimos".[8]

Além disso, os depósitos de argila iônica, que estão sendo explorados no Brasil, oferecem uma vantagem adicional: eles geralmente produzem uma proporção maior de ETR Pesados (HREE) e críticos, e os concentrados obtidos são significativamente mais simples de processar em comparação com os depósitos primários em rocha.[3] Essa característica geológica reduz os custos de capital intensivo exigidos pela infraestrutura de processamento complexa e minimiza os riscos ambientais e regulatórios associados ao manejo de rejeitos radioativos. Essa simplificação do processamento pode, em teoria, tornar os projetos brasileiros mais competitivos globalmente e facilitar o licenciamento ambiental.[9]

III. Aplicações Tecnológicas: O Poder dos ETRs no Século XXI

III.A. O Pilar Estratégico: Superímãs Permanentes

O principal motor da demanda por ETRs, e o ponto focal da disputa geopolítica, são os ímãs permanentes de alto desempenho, conhecidos como superímãs. Esses ímãs são indispensáveis para a eficiência e miniaturização de inúmeros dispositivos tecnológicos.

O Neodímio (Nd) é o elemento primário que confere aos ímãs sua potência magnética excepcional. No entanto, em ambientes de alta temperatura, como os encontrados em motores de veículos elétricos ou geradores de turbinas eólicas, a estabilidade magnética depende da adição de um ETR Pesado, o Disprósio (Dy).[10, 11] A necessidade de ímãs mais resistentes ao calor e leves impulsiona a demanda por Dy, que é um dos ETRs mais críticos e de fornecimento restrito. Esses superímãs são essenciais não apenas para a infraestrutura de energia verde (turbinas eólicas e VEs), mas também para equipamentos estratégicos nos setores aeroespacial e de defesa.[2, 12, 13]

O Brasil reconhece essa criticidade e tem investido em pesquisa para dominar todo o ciclo produtivo. Um exemplo é o esforço conjunto para desenvolver o equipamento para a produção de neodímio metálico em escala-piloto, com capacidade de produzir até 1 kg de material por hora, partindo de 1,5 kg do óxido de neodímio.[11]

III.B. Aplicações Diversas e o Crescimento da Demanda

Além dos superímãs, os ETRs possuem aplicações vitais em uma vasta gama de tecnologias de consumo e industriais:

  • **Eletrônicos e Iluminação:** Os óxidos de ETRs são fundamentais na produção de cores em telas e iluminação de alta eficiência. Nos LEDs brancos, que estão substituindo lâmpadas fluorescentes para reduzir o consumo de energia, uma mistura de óxidos de terras raras é aplicada para gerar a luz branca, após o laser atingir uma camada fluorescente.[14] As projeções de crescimento do mercado de LEDs indicam uma demanda futura substancial por ETRs. O óxido de Cério, por exemplo, é amplamente usado no polimento de lentes ópticas.[14]
  • **Medicina e Tecnologia Óptica:** Os elementos terras raras, particularmente os íons lantanídeos, são empregados em estudos de diversas áreas, incluindo a medicina. Suas propriedades espectroscópicas, fotoluminescentes e a capacidade de serem dopados em materiais hospedeiros como $Gd_2O_3$ ou $Y_2O_3$, são utilizadas em diagnóstico e no desenvolvimento de materiais biocompatíveis.[15]

IV. A Cadeia de Valor Global e a Concentração Geopolítica

IV.A. Dominância Monopólica da China: O Risco Estrutural

O mercado global de Terras Raras é definido pela dominância abrangente da República Popular da China, que controla a maior parte da cadeia produtiva, desde a mineração até a fabricação do produto final.

Em termos de produção de óxidos de terras raras (OTR), a China liderou com cerca de 69% da produção global em 2024, totalizando aproximadamente 270 quilotons (kt). Os Estados Unidos (45 kt, 12%) e Mianmar (31 kt, 7.9%) são os segundos e terceiros maiores produtores, respectivamente, mas sua escala é insuficiente para desafiar o controle chinês.[4]

O ponto de estrangulamento (choke point) da cadeia, e a fonte do verdadeiro poder geopolítico, reside nas etapas de processamento. A China refina mais de 85% dos ETRs do mundo e detém mais de 90% da capacidade global de fabricação dos superímãs de ETR.[4] Essa concentração industrial significa que, mesmo que outros países, como o Brasil, aumentem sua capacidade de extração primária, o minério ainda precisará ser enviado para processamento em regiões dominadas por um único ator. Essa dependência limita a soberania tecnológica e restringe a capacidade de nações como a União Europeia de exercer sua voz em outras matérias internacionais.[5]

Dominância Global da China na Cadeia de Valor (Estimativa 2024)

Produção de Óxidos (Mina): China
~69%
Refino e Separação Química (Gargalo Principal): China
> 85%
Fabricação de Superímãs ETR (Produto Final): China
> 90%

Fonte: Dados globais de produção e refino (2024).[4]

IV.B. A Busca Global por Diversificação (Oportunidade para o Brasil)

Em resposta à fragilidade estrutural da cadeia, existe uma intensa corrida global por diversificação de suprimentos. Essa busca é central para a Política de Minerais Críticos dos Estados Unidos e da União Europeia. O interesse americano na aceleração da exploração de terras raras no Brasil é notável, com reuniões de alto nível confirmadas para discutir a questão.[16]

Essa pressão internacional posiciona o Brasil em um momento geopolítico crucial. A nação tem a oportunidade de se tornar um pivô central para a diversificação de suprimentos ocidentais. No entanto, essa oportunidade será aproveitada apenas se o país demonstrar capacidade não só de extrair, mas de refinar e agregar valor ao seu minério, transformando o potencial geológico em um suprimento confiável e processado.

V. O Potencial Estratégico do Brasil em Terras Raras

V.A. Reservas e Histórico de Protagonismo Perdido

O Brasil é um detentor significativo de recursos de Terras Raras. O país possui uma das maiores reservas do planeta [9, 14] e é consistentemente classificado como o **segundo maior detentor de reservas de terras raras no mundo**.[4] Além das reservas comprovadas, o potencial real é provavelmente muito maior do que os números atuais indicam, especialmente em áreas como a Amazônia, que ainda carecem de conhecimento geológico aprofundado.[12]

Apesar desse potencial, o Brasil já vivenciou um ciclo de ascensão e declínio. Foi um grande produtor e exportador de terras raras nas décadas de 1950 e 1960. No entanto, o país perdeu seu protagonismo global, um fator atribuído primariamente à falta de investimentos sustentados na industrialização e na capacidade de processamento intermediário.[9]

V.B. Projetos Ativos e o Foco Estratégico

Atualmente, projetos focados em ETRs no Brasil são de grande interesse global. O projeto Serra Verde, localizado em Minaçu (GO), exemplifica um enfoque estratégico em depósitos de argila iônica.[3] Tais depósitos são valiosos porque tendem a produzir uma proporção superior de Elementos de Terras Raras Pesados (HREE), que são os mais críticos e difíceis de obter. A simplicidade comparativa no processamento dos concentrados dessas argilas, em contraste com a infraestrutura complexa exigida por depósitos primários em rocha, torna-os economicamente atrativos.[3]

No entanto, o sucesso comercial depende de mais do que apenas a geologia favorável. A experiência de outras empresas, como a CBMM, que concluiu a não-viabilidade comercial de sua operação de ETRs na mina de Araxá, demonstra que o potencial geológico deve ser casado com a tecnologia de processamento economicamente viável e com um ambiente regulatório favorável para que o projeto atinja o sucesso.[11]

Posicionamento do Brasil na Cadeia de Valor das Terras Raras

Fator Status Atual do Brasil
Reservas 2º maior volume global
Extração Baixa, com foco em perfis de menor risco (Argilas iônicas)
Refino/Separação Capacidade Mínima/Ausente
Demanda Interna Crescente (VEs, Eólica)

VI. Gargalos Sistêmicos e Desafios para a Agregação de Valor no Brasil

VI.A. A Falha Estrutural no Refino e Separação

O Brasil enfrenta seu maior obstáculo na verticalização da cadeia de valor. O país não domina as etapas intermediárias cruciais, que incluem a separação dos diversos elementos ETRs (refino) e a subsequente fabricação dos superímãs.[12]

Apesar de possuir vastas reservas de minério, o Brasil atua como importador dos produtos finais de alto valor, como os superímãs essenciais para geradores eólicos e motores elétricos, dependendo da cadeia industrial externa para suprir sua própria demanda.[11, 12] Essa vulnerabilidade expõe a economia nacional aos riscos de restrição de suprimento e volatilidade de preços controlada por atores externos. A superação desse déficit tecnológico exige investimentos maciços em pesquisa em refino e desenvolvimento de infraestrutura de industrialização.[9]

VI.B. Desafios Regulatórios e de Licenciamento Ambiental

Um obstáculo que compromete a credibilidade do Brasil como alternativa confiável de suprimento é a morosidade do processo regulatório e de licenciamento ambiental.[9] Embora o rigor ambiental seja necessário, especialistas destacam que o tempo excessivo de tramitação inviabiliza investimentos de alto risco, podendo levar "vários anos" para que projetos de mineração obtenham licenças em múltiplas esferas governamentais (federal, estadual, municipal).[9]

A criação da Política Pró-Minerais Estratégicos (PNMCE) em 2021 [17] tinha como objetivo acelerar a análise de projetos estratégicos. Contudo, a falta de coordenação interinstitucional e a persistente morosidade dos processos desestimularam investidores.[9] A lentidão burocrática se manifesta como um risco de investimento maior do que a própria geologia, minando a urgência estratégica que o mercado global exige para a diversificação de minerais críticos.

VI.C. Sustentabilidade e Mitigação de Impactos

A complexidade da mineração de ETRs inclui a gestão de impactos ambientais. O processamento de depósitos primários em rocha, que pode envolver a geração de rejeitos radioativos, requer um gerenciamento ambiental de longo prazo e um aumento nos custos operacionais.[2, 3]

Para atender às crescentes exigências globais de sustentabilidade, o Brasil deve explorar soluções circulares e inovadoras. A "mineração urbana," que foca na reciclagem de ETRs de equipamentos eletrônicos descartados, é um caminho promissor para reduzir os impactos da mineração primária e aumentar a sustentabilidade da cadeia de suprimentos.[18] Tecnologias de recuperação, como o desenvolvimento de algas para separar e concentrar elementos críticos, também surgem como alternativas viáveis para a sustentabilidade ambiental.[5]

VII. Recomendações Estratégicas e Políticas para o Reposicionamento Brasileiro

A posse de grandes reservas não se traduz automaticamente em poder geopolítico. Para converter seu potencial em influência e segurança de suprimentos, o Brasil deve adotar uma abordagem coordenada de verticalização industrial e reforma regulatória.

VII.A. Estratégias de Verticalização e Industrialização

O foco principal deve ser no domínio das etapas de alto risco e alta agregação de valor.

  1. **Fomento ao Refino (P&D):** É imperativo investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para que o país domine as complexas técnicas de separação química. O avanço mínimo deve ser a produção de óxidos separados de alta pureza. O sucesso do projeto piloto de produção de neodímio metálico [11] deve ser replicado e ampliado para outros ETRs críticos.
  2. **Incentivos Competitivos para Agregação de Valor:** A industrialização de ponta, como a fabricação de superímãs, exige um risco de capital elevado. Portanto, é essencial que o governo implemente políticas que compensem esse risco, como incentivos fiscais direcionados e linhas de crédito específicas para projetos de industrialização de ETRs. A simples imposição de agregação de valor sem suporte econômico não será suficiente para atrair investimentos.[9]

VII.B. Governança e Cooperação Geopolítica

A credibilidade do Brasil como parceiro global depende da eficiência de sua estrutura regulatória.

  1. **Reforma Regulatória e Coordenação:** A Política Pró-Minerais Estratégicos deve ser reavaliada para garantir a coordenação interinstitucional e para que os prazos de licenciamento sejam compatíveis com a urgência exigida pelo mercado de minerais críticos. É fundamental acelerar a tramitação sem comprometer a rigorosidade socioambiental.[9, 17]
  2. **Cooperação Internacional Estratégica:** O Brasil deve usar seu vasto potencial de reservas como um ativo de negociação, estabelecendo parcerias estratégicas com potências ocidentais (como os EUA) que buscam diversificação de suprimentos. Essas parcerias devem priorizar a transferência de tecnologia de refino e acesso a mercados, garantindo um suprimento seguro para o Ocidente em troca de domínio tecnológico para o Brasil.[16]

Recomendações Estratégicas e Políticas Chave

Desafio Estratégico Recomendação de Política Pública
Domínio de Refino P&D em Processamento Químico e Construção de Plantas Piloto/Industriais
Risco de Investimento Incentivos Fiscais e Linhas de Crédito para Industrialização
Morosidade do Licenciamento Fortalecimento da Estrutura de Coordenação Regulatória (PNMCE)
Sustentabilidade Fomento à Mineração Urbana e Tecnologias de Recuperação

VIII. Conclusão: O Caminho para a Soberania Mineral

A análise demonstra que o Brasil detém uma oportunidade histórica inigualável no panorama global dos Elementos de Terras Raras, ancorada em ser o segundo maior detentor de reservas do planeta. Contudo, essa riqueza geológica permanece em grande parte aprisionada, pois o país ainda não conseguiu superar os gargalos estruturais que o confinam ao papel de fornecedor potencial de matéria-prima bruta.

A transformação do potencial em poder geopolítico exige que o Brasil adote uma política de Estado focada em dois eixos: primeiro, dominar as etapas intermediárias de refino e separação, que hoje são controladas por mais de 85% pela China; e segundo, reformar o ambiente regulatório para garantir a agilidade do licenciamento de projetos estratégicos, tornando o país uma jurisdição atraente e confiável para o capital internacional em busca de alternativas à cadeia asiática. Ao verticalizar a cadeia de valor, avançando no mínimo até a produção de óxidos separados e, idealmente, até a fabricação de superímãs, o Brasil poderá não apenas atender sua crescente demanda interna, mas também se consolidar como um ator indispensável na segurança mineral e na transição tecnológica global. A falha em agir de forma coordenada e estratégica resultará na perda dessa janela de oportunidade histórica, mantendo o país vulnerável e dependente da tecnologia estrangeira.

Relatório de Análise Estratégica sobre Elementos de Terras Raras (ETRs)